Texto: Leonardo Millen
Morreu o Eddie Van Halen. A notícia me flechou no coração. Ele foi um ídolo para mim. Eu tentei tocar violão e nunca consegui ser virtuoso.
Mas vê-lo tocar era como ver que você é um grão e que existe arte. Mas tive esse privilégio em 1983, no Maracanãzinho, no Rio. Eu era um garoto de apenas 19 anos. Eles eram o máximo para mim e de repente eu pude ver o Michael Anthony, com um baixo preciso, o Alex Van Halen usar todos aqueles tons tons furiosos e o Eddie fazendo o que queria com a guitarra na minha frente!
Tem momentos na vida gente que são incríveis, fantásticos, maravilhosos, inesquecíveis, sei lá… E depois ainda tinha o David Lee Roth, dando um show nos vocais e de energia no palco que, até hoje, não vi igual nesse estilo. Um tanto andrógino, exagerado, revolucionário para época… Tudo era absolutamente novo. Lembro que saí do show meio robótico, tipo, será que isso existe? Será que eu vi mesmo o Van Halen no auge ao vivo? Hoje isso pode parecer exagerado, mas na época, não tínhamos tantos shows internacionais no Brasil. A gente ouvia no rádio, conversava com amigos que tinham ido para o exterior, tinha um show aqui outro ali, e só.
O nosso imaginário era forte. Inclusive, tinha uma lenda que rolava que uns garotos tinham ganho na loteria e tinham contratado o Van Halen para tocar e estouraram a grana toda numa festa animal… E que os caras ficaram tão tocados com a história toda e o show que não cobraram o cachê… Se foi mentira ou verdade não importava. Quando a minha galera soube que o Van Halen vinha tocar no Brasil a gente não acreditou.
Achou que era papo furado (o fake news da época). Quem viveu aos anos 80 sabe que a gente tinha que se virar gravando fitas cassetes dos discos emprestados. Foi assim que começou a minha coleção dos hits do Van Halen. Graças aos amigos, fiz no começo dos anos 80 uma fita que gastou de tanto tocar. Do primeiro álbum, de 1978, gravei “Runnin’ with the Devil” e “You Really Got Me”. Do segundo, de 1979, “You’re No Good”, “Dance the Night Away” e “Somebody Get Me a Doctor”. Do terceiro, de 1980, gravei “Everybody Wants Some!!”. Mas deu para comprar o vinil do 1984, que trazia na capa o número do ano de lançamento e batismo em algarismos romanos e um provocador anjinho fumando… Ele é o último álbum da banda do qual David Lee Roth participa e o qual Eddie abusa dos teclados nas músicas. O resultado nos deu hits como “Panama” e “Jump”, que soam um pouco comerciais para os fãs mais ardorosos da banda, mas Van Halen é Van Halen! O álbum vendeu mais de 10 milhões de cópias só nos Estados Unidos e até hoje vende e figura em listas de críticos como um dos álbuns definitivos do rock.
O Van Halen é uma referência, pois suas músicas influenciaram gerações de guitarristas, baixistas, bateristas e vocalistas. Só para vocês terem uma ideia do que foi a passagem do Van Halen pelo Brasil, no dia seguinte do show e por muito depois, a galera da praia (do Leme ao pontal, como diria o Tim Maia) só falava disso. Lembravam do monte de baseados que o David Lee jogou para a galera no início do show, do Alex arrebentando e suando muito atrás da bateria, do Antony com seu estilo gordinho que segurava uma cozinha de respeito, e dos solos do Eddie. Cara… que guitarrista!
Nada que eu fale vai fazer justiça. Ele toca com a palheta, com os dedos das duas mãos quase se encontrando no braço da guitarra em uma velocidade e precisão alucinantes, uma técnica próxima a uma pintura de Van Gogh, para manter a referência aos gênios holandeses. Aliás, por falar na guitarra do Eddie, ela sempre foi cheia de grafismos imitando um monte de esparadrapos ou faixas desconexas… Uma marca registrada longe das cores vibrantes dos campos de Arles, mas imortal. Anos depois, eu vi um vídeo no qual o Les Paul, o inventor da guitarra moderna, aparece no palco onde o Eddie está e eles trocam elogios. Mas depois de ouvir Eddie tocar o mestre diz: “Fantástico… Muito Obrigado!”
Acho que essa frase simples resume o que todos que o ouviram podem dizer num dia como hoje, que perdemos o Eddie: “Fantástico! Muito Obrigado!”.
Leonardo Millen, 56 anos, jornalista e Fã. (@saideira.beer)