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No final do verão de 1965, quando o grupo voltou aos Estados Unidos para uma estada mais curta, ainda que também histérica, percorrendo ginásios e estádios de basquete, Paul estava de novo à vontade; ele se exibiu com elegância no palco, esbanjando felicidade diante do holofote, cantou a plenos pulmões seus sucessos, frente à barreira de som provocada pela gritaria dos fãs, e se deixou levar pelo sopro de vento da mania que havia ajudado a criar. Ele vivia naquilo, ainda que não se deixasse afetar tanto. “Paul era de fato o mais normal dos quatro”, diz Tony Barrow. “Sim, ele era muito autocentrado,tinha mais auto controle do que os outros. Enquanto John apresentava todas aquelas excentricidades extraordinárias, baseadas em medos e inadequações pessoais, Paul não demonstrava nenhum receio. Ele era extremamente ajustado, até onde podia.”

O que talvez explique por que Paul estava tão entusiasmado para conhecer Elvis pessoalmente, naquela turnê de 1965, quando o Messias se dignou a permitir que os quatro acólitos britânicos que haviam se tornado seus competidores finalmente se aproximassem dele. Hutchins preparou o encontro com a mesma diplomacia que se vê em visitas oficiais de Estado. O primeiro passo de Hutchins foi marcar um almoço entre Parker e Brian Epstein, no Beverly Hills Hotel. A conversa quase acabou porque eles não conseguiam determinar o local exato onde o tal encontro deveria acontecer. Segundo a insistência de Brian, os Beatles demandavam muita segurança para ir além do metro da casa que haviam alugado em Benedict Canyon. Mas Parker não cedeu. “Sem chance. Eles vêm até Elvis. Se estivéssemos no país, iríamos até vocês!” Brian acabou enxergando essa lógica e, no final, o acordo foi fechado para a última noite do grupo em Los Angeles. Os Beatles iriam até Elvis. Só poderiam levar Brian, Hutchins, Neil, Mal e Tony Barrow. Naquela noite, uma dupla de limusines chegou à casa dos Beatles na hora combinada, mas houve um único problema, John anunciou que ele, por sua vez, não sairia.

“Ele tinha fincado os pés, realmente não queria ir”, afirma Hutchins, “Mas Paul mal podia esperar para entrar no carro.” John finalmente se curvou ao inevitável e todos se dirigiram, pelas estradas tortuosas das colinas, para a casa do Elvis em Bel Air. Ao saltar do carro, todos estavam felizes e brincalhões, mas a vibração ficou ainda mais acentuada depois que eles tocaram a campainha e foram conduzidos à sala de estar, onde encontraram Elvis sentado no sofá, com seus cabelos negros lindamente engomados, seu colarinho levantado, cercado pela patota de Memphis e por um bando de garotas que ninguém se preocupou em apresentar. John saudou seu antigo ídolo, por alguma razão, com o mesmo sotaque germânico que Peter Sellers tinha utilizado no papel principal de Dr. Fantástico.

“So, zizz is zee famous Elvizzz!” [Então, esse é o famoso Elvis!]

Elvis balançou a cabeça, mas nada em sua expressão denotava a mais leve afabilidade. Dali os olhos de John fitaram um abajur cafona na mesa do canto. Com o formato de uma carroça coberta, tinha a seguinte inscrição do lado: Em frente com LBJ! Era um souvenir da vitoriosa campanha para presidente, ocorrida em 1964 [e vencida por Lyndon B. Johnson]. Foi aí que John trouxe à tona a pavorosa Guerra do Vietnã. John perguntou como Elvis podia apoiar um presidente que estava matando tantas pessoas no Sudeste Asiático. O clima ficou pesado na sala de estar do Rei. “Elvis tinha servido ao Exército, mas não gostou nada daquilo. E a coisa ficou acalorada”, relembra Hutchins. O humor só melhorou quando Priscilla deslizou no ambiente, bem maquiada; o cabelo arrumado bem no alto da cabeça. John começou a lançar olhares para ela, lançando um velho charme da faculdade de artes de Liverpool. “Qualquer coisa para irritar Elvis”, continua Hutchins. Parecia que a noite acabaria se transformando numa feroz batalha entre egos. Mas veio a salvação, nos únicos termos em que todos poderiam compreendê-la. Hutchins outra vez: “Finalmente Paul falou: ‘Vamos tocar alguma coisa?'”

Felizmente, Elvis tinha pensado em trazer algumas guitarras. Ele se desculpou com Ringo, por não ter bateria, e pegou o baixo Fender que estava próximo, dando início ao concerto. Em primeiro lugar, veio o mais recente single dos Beatles, “I Feel Fine”, depois alguns favoritos de R&B. Com Elvis no baixo (rudimentar), Paul ficou alternando entre guitarra e o piano. “Ringo batia o ritmo de apoio numa mesinha de café e numa cadeira, antes de parar para jogar sinuca com a máfia de Memphis”, lembra-se Tony Barrow. “Eles estavam harmonizados, sabiam de todas as canções”, afirma Hutchins. Melodias de rock e de country. Elvis com o vocal de apoio de três Beatles. “Havia certa afetação, certo estado de espírito, mas John estava se divertindo ao cantar”, afirma Hutchins. “Quando estávamos de saída,  Parker me disse: ‘Pode espalhar que eles aproveitaram um bocado!’ Mas Elvis disse depois que eu não devia ter marcado aquele encontro. Em seguida, ele comandou uma campanha implacável para expulsar John do país. Ele e J. Edgar Hoover. E aquela famosa reunião com Nixon? Ele também estava arrasando os Beatles na ocasião.”

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(Extraído do livro: “Paul McCartney: Uma Vida” – de Peter Ames Carlin)

By Henrique Carnevalli

Viciado em música, Pirado na fase psicodélica do Ronnie Von e Corinthiano. Lupúlomaníaco e Beer Sommelier formado no ICB.

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